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Salvar vidas ou empregos?

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O desenlace do casamento de Bolsonaro e o ministro Mandetta, finalmente concretizado, mostra a mesquinhez do presidente e o oportunismo do ex-ministro da Saúde. O primeiro, pela irresponsabilidade de comprometer o distanciamento social para satisfazer a sua base eleitoral e, o segundo, por aproveitar-se da alta exposição na mídia para promover-se eleitoralmente. Ambos se distanciaram do que aconteceu na gestão do presidente Rodrigues Alves (1902-1906) que, juntamente com o médico Oswaldo Cruz, no cargo equivalente ao de ministro da Saúde hoje, erradicou a febre amarela, a peste bubônica e impôs a vacina obrigatória contra a varíola. Antes de tudo, eles estavam preocupados em salvar vidas e não com o seu futuro político.

O desfecho do affair Bolsonaro/Mandetta, no entanto, não pôs fim ao dilema salvar vidas x salvar os empregos? O efeito devastador da pandemia da Covid-19 na Europa e Estados Unidos e o fato do Brasil ter menos condições do que os países desenvolvidos para combater o vírus, reforça a posição daqueles que priorizam salvar vidas. As projeções catastróficas dos economistas sobre a queda do PIB - a maioria "chutes" sem embasamento científico - servem de munição para Bolsonaro e fanáticos seguidores promoverem carreatas de apoio ao relaxamento do isolamento a pretexto da manutenção dos empregos.

O fato é que está mais do que provado que a "quarentena" foi, até aqui, a única medida eficaz para enfrentar a pandemia e dar tempo para reestruturação do sistema de saúde. Sem isso, seria o caos. Além disso, o dilema vidas x emprego é falacioso: o gasto do governo com saúde, paradoxalmente, pode alavancar a recuperação da economia. O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) costuma ser lembrado em períodos de alto desemprego. Para Keynes, que também teve uma longa carreira trabalhando para o Tesouro inglês, a insuficiência de demanda é a principal causa das crises econômicas. Escreveu o livro Teoria Geral, do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), no qual ataca a teoria dominante na época (neoclássica), obra que iria servir de guia para todos os governos no após-guerra.

O livro de Keynes não traz dados sobre a Grande Depressão (1929) como seria de se esperar, embora sempre seja associado a ela. Segundo ele, quando a economia opera com alto desemprego e baixa taxa de juros, como acontece hoje, a política monetária é ineficaz. Esse teria sido o principal erro dos governos da época no combate à Depressão. A diminuição do crédito bancário causou um brutal corte da demanda, empurrando a economia em direção ao abismo. Esse equívoco, como comprovou a exaustiva pesquisa de Friedman e Schwartz (1963), levou ao desemprego 25% da força de trabalho nos EUA e favoreceu o surgimento do nazismo.

O raciocínio de Keynes é que quando a taxa de juros é muito baixa, a política monetária não funciona para a recuperação do emprego, porque já não é capaz de estimular o investimento privado. Ele chamou isso de "armadilha da liquidez". Aí é que entra em ação o efeito "multiplicador" do gasto público, ou seja, para cada real que o governo injeta na economia, a renda cresce numa proporção maior do que o gasto inicial. À medida que a renda aumenta, também cresce a arrecadação do governo, diminuindo o déficit fiscal.

Que tipo de gasto o governo deveria fazer? Preferencialmente, gastos que não aumentem a capacidade produtiva da economia, visto que esta, nas crises, se acha subutilizada. O ideal seria transferir renda para os mais pobres, pois, como ganham pouco, qualquer acréscimo na renda se transforma em consumo e não em poupança. Logo, o efeito multiplicador sobre a demanda é total. Além do lado humano, o auxílio de R$ 600 para os trabalhadores informais possui uma lógica macroeconômica.

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